“Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus.”
– São Atanásio de Alexandria
Introdução: O que significa que Deus quer divinizar você?
Pode soar escandaloso — até mesmo presunçoso — afirmar que o ser humano é chamado a ser “divinizado”. Isso não é heresia, exagero místico ou uma ideia perigosa? E, no entanto, essa afirmação não só é verdadeira, mas é parte essencial da fé cristã desde suas origens. Ela se chama theosis, ou divinização, e é um dogma implícito no coração do cristianismo tradicional.
Em termos simples: Deus não quer apenas salvar você — Ele quer torná-lo participante de Sua vida divina.
Este artigo tem como objetivo ajudar você a compreender essa profunda verdade, inspirá-lo a viver de acordo com esse chamado e mostrar como esse dogma esquecido pode transformar radicalmente sua vida cotidiana.
I. A theosis na história do cristianismo
1. As raízes bíblicas da divinização
O conceito de theosis não é uma invenção tardia dos Padres do Deserto, nem uma especulação teológica oriental. É um fato revelado na Sagrada Escritura:
“Por elas nos têm sido doadas as Suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas vos torneis coparticipantes da natureza divina, tendo escapado da corrupção das paixões que há no mundo.”
— 2 Pedro 1,4
Esta passagem da Segunda Carta de São Pedro é fundamental. Aqui se afirma explicitamente que os cristãos são chamados a ser participantes da natureza divina. Não se trata de linguagem simbólica ou poética, mas de uma realidade ontológica: o homem, pela graça, é elevado por Deus a compartilhar de Sua vida divina.
Outros textos reforçam essa ideia:
- “Sede santos, porque Eu sou santo” (Levítico 19,2)
- “Sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mateus 5,48)
- “Já não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim” (Gálatas 2,20)
Essas expressões não são meras exortações morais. Elas revelam uma transformação interior, uma união real com Deus, tornada possível pela graça santificante.
2. Os Padres da Igreja e a theosis
Desde os primeiros séculos, os Padres da Igreja afirmaram claramente essa verdade. Entre os mais citados:
- Santo Irineu de Lyon (século II): “O Verbo de Deus, nosso Senhor Jesus Cristo, por Seu imenso amor, tornou-se o que nós somos para que Ele nos fizesse o que Ele é.”
- São Atanásio (século IV): “Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus.”
- São Gregório de Nissa: “O objetivo de uma vida virtuosa é tornar-se semelhante a Deus.”
Este ensinamento não era uma curiosidade teológica, mas um pilar central da espiritualidade patrística. O homem, criado à imagem de Deus, é chamado a crescer em semelhança a Ele. Por meio do batismo e da graça, começamos já aqui na terra a participar dessa semelhança divina, que alcançará sua plenitude na vida eterna.
II. O que é exatamente a theosis?
1. Não é panteísmo, é participação
É importante esclarecer: theosis não significa que nos tornamos deuses por natureza. Há apenas um Deus — eterno, infinito, imutável. Continuamos sendo criaturas.
Entretanto, pela graça, Deus comunica a nós Sua vida, Sua luz, Seu amor, Sua glória. O Catecismo da Igreja Católica expressa isso de maneira belíssima:
“A graça é uma participação na vida de Deus.”
— CIC, n. 1997
Portanto, a theosis é o fruto mais elevado da graça: a transformação do ser humano por meio da união íntima com Deus. Como o ferro colocado no fogo torna-se incandescente sem deixar de ser ferro, assim também a alma unida a Deus pela graça se torna “divinizada” sem deixar de ser humana.
2. Theosis como processo
Theosis não é um momento mágico ou uma meta reservada aos místicos. É um caminho espiritual progressivo, com três etapas:
- Purificação (katharsis): abandonar o pecado, vencer as paixões, viver na virtude
- Iluminação (theoria): crescer na contemplação, no conhecimento de Deus e na docilidade ao Espírito Santo
- União (theosis): união íntima e transformadora com Deus, antecipação do céu
Esse processo é o caminho ordinário da santidade. Todos são chamados a trilhá-lo. E a Igreja nos oferece os meios para vivê-lo: sacramentos, oração, penitência, caridade, leitura espiritual e vida litúrgica.
III. Theosis e a vida sacramental: Deus entra em você
1. O Batismo: o início da divinização
Pelo Batismo, somos regenerados e feitos filhos de Deus — não apenas num sentido jurídico, mas por uma transformação interior:
“Mas, a todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus: aos que creem no Seu nome.”
— João 1,12
Aqui começa nossa participação na vida divina. Morremos com Cristo e renascemos n’Ele. Recebemos a graça santificante: a semente da theosis.
2. A Eucaristia: alimento divino para a alma
Na Eucaristia, Cristo mesmo se dá a nós como alimento, não apenas para nos consolar, mas para nos transformar:
“Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em mim e eu nele.”
— João 6,56
Que mistério imenso! Comungamos o próprio Deus, e assim nos configuramos a Ele. Cada comunhão é uma infusão de vida divina que nos aproxima sempre mais do Coração de Cristo.
3. A Confissão: restauração da graça
O pecado grave destrói a graça, mas Deus nos oferece, no sacramento da Penitência, uma nova oportunidade. A theosis não se perde para sempre com nossas quedas, contanto que nos arrependamos e retornemos ao Senhor. A misericórdia restaura aquilo que o pecado destruiu.
IV. O que significa viver a theosis hoje?
1. Uma visão mais elevada da sua vocação
Deus não quer apenas que você seja “bom”. Ele quer que você seja santo. Mais ainda, Ele quer que você participe da Sua vida divina. Isso dá um novo sentido à sua existência: sua vida tem um destino sobrenatural.
“Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação.”
— 1 Tessalonicenses 4,3
Sua vocação última não é simplesmente “ir para o céu”, mas ser plenamente transformado por Deus, até refletir Sua glória.
2. Um estilo de vida espiritual mais profundo
Viver na theosis é viver na graça e crescer nela. Isso implica:
- Rezar com perseverança — não por obrigação, mas como encontro com o Amado
- Frequentar os sacramentos com regularidade
- Combater o pecado — não por medo, mas por amor
- Ler a Palavra de Deus como alimento da alma
- Imitar Cristo na humildade, no perdão e na doação de si
3. Um chamado para todos
Isso não é um ideal reservado a monges ou grandes santos. Todos os batizados são chamados a serem divinizados. E isso começa aqui e agora, na vida cotidiana: na família, no trabalho, na doença, na alegria e na cruz. A theosis se constrói no cotidiano.
V. Uma mensagem urgente para o mundo moderno
Vivemos numa época que reduz o ser humano ao biológico, ao útil ou ao prazeroso. Esquece sua dimensão transcendente — sua vocação à eternidade. O dogma da theosis é um antídoto contra o niilismo e o materialismo.
Dizer a alguém: “Você é chamado a participar da vida de Deus” é devolver-lhe a dignidade. É mostrar que o cristianismo não é uma lista de regras, mas uma transformação radical do ser.
Conclusão: A glória que te espera
“Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Sabemos que, quando Ele se manifestar, seremos semelhantes a Ele, pois O veremos como Ele é.”
— 1 João 3,2
Seu destino não é apenas “escapar por pouco”. É tornar-se semelhante a Deus, não pelos seus méritos, mas pela Sua graça. Não há nada mais belo, mais grandioso, mais surpreendente do que isso.
Deus quer divinizar você. Você aceitará esse desafio? Responderá a esse chamado celestial com a entrega da sua vida? O caminho está aberto. A Igreja oferece os meios. E o próprio Cristo está esperando por você.
A theosis é o seu futuro — e ela começa hoje.