“Fizeste-nos para Ti, Senhor, e o nosso coração está inquieto enquanto não repousa em Ti.” – Santo Agostinho, Confissões.
Introdução: Um mundo ferido pela perda de sentido
Vivemos numa época que pode ser descrita com uma única palavra: vazio. Não um vazio físico, mas espiritual. É o vazio da alma humana que já não sabe quem é, de onde vem ou para onde vai. É a desolação silenciosa do homem moderno que, embora rodeado de tecnologia, ruído e estímulos, sente-se só, fragmentado, desconectado. Nesta cultura líquida, como chamou Zygmunt Bauman, muitos procuram respostas nas ideologias, nos movimentos sociais, nas emoções passageiras ou mesmo na negação de tudo. Mas o vazio permanece.
Neste abismo surgem duas figuras históricas que influenciaram profundamente a demolição do sentido transcendente: Friedrich Nietzsche e Karl Marx. Ambos, a partir das suas perspetivas filosóficas e políticas, contribuíram para semear uma semente de rutura: a negação de Deus como centro do cosmos e do homem como criatura feita para o infinito.
Hoje, esse legado fermentado deu origem ao que poderíamos chamar de vazio pós-moderno. E só Cristo, o Logos encarnado, pode preencher esse abismo. Este artigo pretende caminhar contigo por essa via: desde as feridas de Nietzsche e Marx até à resposta eterna e sempre nova que o Evangelho nos oferece.
1. Nietzsche: A morte de Deus e o grito do niilismo
Friedrich Nietzsche (1844–1900) foi sem dúvida um dos grandes provocadores do pensamento moderno. A sua célebre frase “Deus está morto” não era tanto um triunfo, mas um lamento. Na sua obra A Gaia Ciência, ele escreve:
“Deus está morto. Deus continua morto. E nós o matamos. Como poderemos consolar-nos, os assassinos dos assassinos?”
Nietzsche percebia com lucidez que a civilização ocidental realmente deixara de acreditar em Deus. Aquilo que antes dava sentido, moral, ordem e finalidade à vida passou a ser visto como construção humana. Ao eliminar Deus do horizonte, o que restava era o niilismo, o vazio, a ausência total de sentido.
A sua resposta foi o Übermensch (além-do-homem ou super-homem), o indivíduo que se constrói a si mesmo, que cria os seus próprios valores e vive para além do bem e do mal. Mas será essa a verdadeira liberdade? No fundo, é uma solidão dilacerante.
Teologicamente, o drama de Nietzsche é o drama da criatura desligada do seu Criador. É a repetição do pecado original: “sereis como deuses” (Génesis 3,5), uma ilusão de autonomia total que termina sempre em escravidão.
2. Marx: A religião como ópio e a esperança deslocada
Karl Marx (1818–1883), pai do materialismo histórico e do comunismo, não via a religião como verdade, mas como instrumento de dominação. Na sua célebre frase, afirmou:
“A religião é o ópio do povo.”
Para Marx, a religião era uma ilusão que anestesiava as consciências, mantinha os oprimidos na sua posição e impedia a revolução social. O paraíso já não estava no Céu, mas devia ser construído aqui, através da luta de classes, da abolição da propriedade privada e do desaparecimento do Estado.
O problema teológico é que Marx deslocou a virtude teologal da esperança, uma das mais nobres virtudes da alma cristã, e substituiu-a por uma esperança terrena. Mas toda tentativa humana de instaurar o Reino sem o Rei termina no totalitarismo, como demonstrou a história do século XX: gulags, campos de concentração, censura, morte de milhões.
A doutrina social da Igreja, por sua vez, reconhece sim a necessidade da justiça social, mas com base na dignidade inalienável do ser humano criado à imagem de Deus e enraizada na caridade, não na luta. O Papa Pio XI expressou isso claramente na encíclica Quadragesimo Anno (1931): “O comunismo é intrinsecamente perverso, e ninguém que deseje salvar a civilização cristã pode colaborar com ele em qualquer empreendimento.”
3. Pós-modernidade: O filho órfão da modernidade
Hoje, após o fracasso de muitas ideologias, o mundo não voltou a Deus, mas aprofundou o vazio pós-moderno. É uma época marcada por:
- Relativismo: “Nada é verdade para todos.”
- Subjetivismo: “O que importa é o que eu sinto.”
- Hedonismo: “O prazer é o único bem.”
- Fragmentação: já não há grandes narrativas nem objetivos comuns.
- Individualismo extremo: “Tu és o teu próprio projeto.”
Vivemos uma espécie de “ateísmo prático”: Deus não é explicitamente negado, mas vive-se como se Ele não existisse. É nesse solo que brotam ansiedade, depressão, solidão, apatia e suicídio.
O Papa Bento XVI diagnosticou essa situação com clareza: “Uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que só deixa como última medida o próprio eu e os seus desejos.”
4. Só Cristo preenche o abismo
E aqui entra em cena Cristo, não como uma teoria, mas como uma Pessoa viva. Ele não veio para nos dar uma nova ideologia, mas para revelar o rosto do Pai e restaurar a nossa vocação divina. Ele mesmo disse:
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim.” (João 14,6)
Diante do vazio, Cristo é plenitude. Diante do niilismo, Ele é sentido. Diante da ideologia, Ele é a Verdade encarnada. Diante do egoísmo pós-moderno, Ele é dom total de si mesmo.
Teologicamente, só em Cristo encontramos:
- A verdade sobre Deus: não um ser distante, mas um Pai amoroso.
- A verdade sobre o homem: criatura amada, redimida, chamada à eternidade.
- O sentido do sofrimento: não como absurdo, mas como participação na Cruz redentora.
- A esperança do Céu: não como fuga, mas como cumprimento definitivo.
São Paulo proclamava com força:
“Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis… Tudo foi criado por meio d’Ele e para Ele. Ele é antes de tudo, e tudo subsiste n’Ele.” (Colossenses 1,16-17)
5. Aplicações práticas para a vida quotidiana
Como preencher o abismo que Nietzsche e Marx ajudaram a cavar na alma moderna? Como viver a partir de Cristo no meio do vazio pós-moderno? Aqui estão algumas chaves espirituais e pastorais:
a) Redescobrir o silêncio e a oração
Num mundo saturado de ruído, o silêncio é o lugar onde Deus fala. A oração pessoal, a adoração eucarística, o Rosário, a liturgia bem vivida… tudo isso reorganiza a alma.
b) Recuperar a comunidade
A Igreja é uma comunidade de salvação, não um projeto individual. Procura grupos, comunidades, amizades cristãs onde possas partilhar a fé e a vida.
c) Formar-se na fé
O vazio também se alimenta da ignorância. Lê o Evangelho, o Catecismo, os grandes santos e doutores da Igreja. Conhece a verdade para vivê-la com liberdade.
d) Viver a caridade
A pós-modernidade torna-nos indiferentes. Mas Cristo chama-nos ao amor concreto: ao necessitado, ao que sofre, ao que pensa de forma diferente. A caridade é o rosto mais credível do cristianismo.
e) Testemunhar com alegria
Num mundo desesperado, o cristão é chamado a irradiar uma alegria que não depende das circunstâncias, porque a sua fonte é Deus.
Conclusão: Só em Cristo, a plenitude da vida
Nietzsche e Marx foram profetas de um mundo sem Deus. As suas vozes ainda ressoam na cultura atual. Mas também ressoa outra voz – mais antiga e eterna – a voz do Bom Pastor:
“Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.” (João 10,10)
Esse é o único caminho que preenche o abismo. Não com teorias, não com utopias, mas com uma Pessoa: Jesus Cristo.
Não tenhas medo do vazio. Ousa entrar nele com Cristo. Porque onde tudo desaba, Ele permanece.
“Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna.” (João 6,68)