Introdução: O mistério de uma maldição cristã
Aos pés da serra do Moncayo, na província de Saragoça (Espanha), encontra-se uma pequena e pitoresca vila com uma história tão fascinante quanto inquietante. Falamos de Trasmoz, a única vila oficialmente excomungada e amaldiçoada pela Igreja Católica. Não se trata de uma lenda folclórica nem de uma tradição oral deformada pelo tempo. É um fato documentado, reconhecido e sem precedentes na história da cristandade ocidental.
Mas para além das bruxas, das maldições e dos ritos obscuros que todos os anos atraem os curiosos, a história de Trasmoz levanta questões profundas sobre a fé, o pecado, a redenção, a bênção e a maldição. Revela a liberdade do ser humano de escolher entre a luz e as trevas. Este artigo não pretende alimentar superstições ou medos, mas sim oferecer uma leitura espiritual, teológica e inspiradora, que nos ajude a interpretar este acontecimento como um sinal para a nossa vida pessoal.
1. O que aconteceu em Trasmoz? Uma história de feitiçaria e anátemas
A história de Trasmoz remonta à Idade Média, uma época marcada por fortes tensões entre o poder eclesiástico e o civil. Durante séculos, o vizinho Mosteiro de Veruela exerceu grande influência religiosa e econômica sobre a região. Mas Trasmoz era uma exceção: pertencia ao poder laico e não estava sujeito à autoridade da Igreja.
Essa independência tornou-se rapidamente fonte de conflito. As crónicas relatam que em Trasmoz se cunhavam moedas falsas, exploravam-se recursos disputados com o mosteiro e toleravam-se práticas pagãs. Mas o que levou a Igreja a intervir foram sobretudo os persistentes rumores de feitiçaria, ao ponto de o abade de Veruela pedir a excomunhão da vila.
A excomunhão foi oficialmente proclamada no século XIII, sob o pontificado do Papa Júlio II, a pedido do abade da época. Mas não ficou por aí: um sacerdote subiu ao castelo de Trasmoz com uma cruz e uma relíquia, e celebrou uma missa de excomunhão, recitando o Salmo 108, um salmo imprecatório bíblico, que invocava uma maldição solene sobre toda a comunidade.
Desde então, Trasmoz está excluída da comunhão eclesial, e a maldição nunca foi revogada.
2. O que significa realmente ser excomungado?
Para compreender a gravidade do que aconteceu em Trasmoz, é necessário conhecer o significado teológico da excomunhão.
A excomunhão não é uma “maldição mágica”, como alguns podem pensar. É, antes, uma pena medicinal, um apelo severo que visa à conversão do pecador. É um ato da Igreja com o qual uma pessoa (ou, em casos raríssimos, uma comunidade inteira) é excluída dos sacramentos e da plena comunhão eclesial. São Paulo fala disso com clareza:
«Entreguem esse homem a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no dia do Senhor.»
(1 Coríntios 5,5)
A excomunhão é, portanto, um remédio espiritual extremo, um ato de amor exigente que quer abalar a consciência, para levá-la de volta à graça. Nunca é uma condenação definitiva… a não ser, até agora, para Trasmoz, onde o anátema foi público, solene e nunca retirado.
Isso leva-nos a uma pergunta importante:
Pode um lugar permanecer amaldiçoado para sempre?
3. Pode uma cidade ser amaldiçoada? Escritura, Tradição e Autoridade
Na Sagrada Escritura encontramos vários exemplos de cidades amaldiçoadas por causa dos seus pecados, as mais conhecidas sendo Sodoma e Gomorra (Gênesis 19) ou Jericó, sobre a qual Josué disse:
«Maldito diante do Senhor o homem que se levantar para reedificar esta cidade de Jericó!»
(Josué 6,26)
Na tradição judaico-cristã, essas maldições não são fruto de um Deus vingativo, mas advertências sérias contra o pecado coletivo, que não diz respeito apenas ao indivíduo, mas a estruturas e sociedades inteiras. Nesse sentido, Trasmoz representa o símbolo de uma comunidade que recusou a correção fraterna e se fechou à graça.
Mas Deus não quer a morte do pecador, e sim que ele se converta e viva (cf. Ezequiel 33,11). Então a verdadeira pergunta não é: “Trasmoz está amaldiçoada?” mas sim:
O que fazer se nós mesmos vivemos num lugar semelhante? Não habitamos, por vezes, num nosso próprio “Trasmoz”?
4. Trasmoz como metáfora do mundo moderno: entre superstição e secularismo
Hoje, muitas cidades – e até nações inteiras – vivem afastadas de Deus. Legislam contra o Evangelho, promovem o aborto, a eutanásia, ideologias contrárias à natureza humana, atacam a família, zombam dos símbolos cristãos. Em certo sentido, a sociedade moderna excomungou Deus.
Trasmoz torna-se então mais do que uma vila isolada: torna-se o símbolo espiritual do homem moderno, de um coração que vive afastado da graça, habituado às trevas. Mas como todo símbolo bíblico, não está destinado a permanecer assim para sempre. A Escritura é clara:
«Se o meu povo, sobre o qual foi invocado o meu nome, se humilhar, orar, me buscar e se converter dos seus maus caminhos, então eu ouvirei dos céus, perdoarei o seu pecado e sararei a sua terra.»
(2 Crônicas 7,14)
A história de Trasmoz torna-se assim um apelo à conversão pessoal e social, um convite a romper com as trevas e voltar à luz do Evangelho.
5. E se foste tu mesmo Trasmoz? Caminhos para quebrar a maldição do pecado
Do ponto de vista espiritual, muitos cristãos hoje vivem “excomungados de fato”, ainda que não formalmente: longe dos sacramentos, escravizados ao vício, mornos, indulgentes com práticas ocultas ou mundanas. Mas tudo pode mudar se se decidir a romper com o mal, renunciar às trevas e abrir-se à graça.
Como fazê-lo?
- Um exame de consciência profundo: Não basta “sentir-se em paz”. É preciso confrontar a própria vida com o Evangelho e o ensinamento da Igreja.
- O sacramento da Reconciliação (Confissão): É o antídoto divino para toda maldição. Cristo venceu a morte, e o seu perdão é mais forte que qualquer anátema.
- Eucaristia e adoração: A comunhão com Cristo reconstrói o que foi quebrado. A participação na Missa é um retorno do exílio.
- Renúncia explícita ao mal: Não há neutralidade no combate espiritual. É preciso rejeitar com decisão superstições, ideologias, idolatrias, rancores.
- Oração de intercessão pelos outros: Somos chamados a abençoar e não amaldiçoar. Rezar pela própria cidade, família, comunidade é parte essencial da vocação cristã.
6. Trasmoz pode ser salvo? E o mundo?
Ainda que a Igreja não tenha revogado oficialmente a excomunhão de Trasmoz, muitos crentes estão convencidos de que a oração, a intercessão e a penitência podem alcançar até o impossível. O exemplo de Nínive – uma cidade salva pela conversão (Jonas 3) – mostra que enquanto houver uma só alma que se volta para Deus, nada está perdido.
Alguns habitantes de Trasmoz, para além do folclore turístico, começaram a ver a história da sua vila com olhos espirituais. Há quem reze orações de libertação, quem peça Missas privadas, quem invoque a bênção. Talvez o primeiro passo não seja tanto a revogação formal da excomunhão, mas sim o despertar de corações que desejam reconciliar-se com Deus.
E tu também podes fazer o mesmo:
Torna-te intercessor pelo teu país, pela tua família, pela tua comunidade – ou por ti mesmo, se te dás conta de que vives num “Trasmoz interior”.
Conclusão: Das trevas para a luz
A história de Trasmoz não deve fascinar-nos pelo seu lado sombrio, mas porque nos recorda que a luz pode brilhar mesmo nas trevas mais densas. O Evangelho não é uma narrativa de maldições, mas de bênçãos. Cristo veio para destruir as obras do diabo (cf. 1 João 3,8), para romper todo anátema e proclamar:
«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para evangelizar os pobres… para proclamar o ano da graça do Senhor.»
(Lucas 4,18–19)
Trasmoz pode ser uma vila amaldiçoada… ou o palco de uma grande conversão.
E tu? Vives sob uma bênção ou sob uma maldição? Estás em paz com Deus, ou ainda levas o peso da separação?
Hoje podes voltar. Hoje podes quebrar o teu “Trasmoz” pessoal. Hoje podes tornar-te terra abençoada.
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As trevas reinam apenas onde falta a luz.
Sê tu essa luz no mundo!