Descubra como esses pilares esquecidos são o modelo celestial para os avós de hoje
Num mundo que idolatra a juventude e a produtividade, onde os idosos são frequentemente marginalizados ou relegados ao esquecimento, a Igreja apresenta-nos duas figuras luminosas: Santos Joaquim e Ana, pais da Virgem Maria e avós de Jesus. Mais do que meros nomes numa genealogia, são os santos padroeiros celestiais dos avós, modelos de fé resiliente, amor geracional e transmissão silenciosa da esperança. A sua história, embora não detalhada nos Evangelhos canónicos, ressoa com uma profundidade teológica e atualidade pastoral que nos interpela hoje.
Raízes na Tradição: A História que a Igreja Guarda
Os detalhes da vida de Joaquim e Ana chegam-nos principalmente através de escritos apócrifos como o Protoevangelho de Tiago (século II), textos não inspirados mas que refletem a Tradição viva da Igreja primitiva. Segundo esta venerável tradição:
- Ana, cujo nome significa “Graça”, e Joaquim, “Deus prepara” ou “Deus estabelece”, eram um casal piedoso de Nazaré ou Belém, descendentes da casa de David.
- Suportaram a prova da esterilidade durante anos — um fardo pesado numa cultura onde a descendência era sinal de bênção divina (cf. 1 Sam 1). A sua oração constante e confiança em Deus, mesmo no desespero humano, são um primeiro testemunho eloquente.
- Receberam um anúncio angélico do nascimento de Maria como resposta às suas súplicas, consagrando-a desde a infância ao serviço de Deus no Templo.
- São apresentados como educadores na fé: foram eles que ensinaram Maria as Escrituras, as tradições do povo judeu e, sobretudo, a amar e confiar no Deus das Promessas. Foram os primeiros “catequistas” da Mãe de Deus.
«Façamos, pois, o elogio dos homens ilustres… Houve alguns… cuja glória não se apagará. O seu nome vive de geração em geração.»
(Eclesiástico 44:1, 8, 13–14 — Bíblia de Jerusalém)
Esta passagem do Eclesiástico ecoa profeticamente a sua missão. A sua “glória” não é mundana; é a glória de terem sido elos essenciais na cadeia da Encarnação. Sem o seu “sim” à paternidade tardia, sem a sua fidelidade em educar Maria, o plano da salvação teria seguido outro rumo. Deus quis precisar de avós!
Relevância Teológica: Os Avós no Plano de Deus
A teologia católica vê em Santos Joaquim e Ana verdades profundas:
- A Sacralidade da Família Alargada: Desafiam a visão redutora da família nuclear moderna. A Sagrada Família inclui os avós. Representam a ponte entre gerações, guardiões da memória e da identidade.
- A Fé que se Transmite: São o modelo primordial da transmissão geracional da fé. Não transmitiram apenas genes; transmitiram a esperança messiânica, a confiança em Deus, a oração. Foram os primeiros a formar o coração que diria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra”.
- A Dignidade da Velhice e do Sofrimento Fecundo: A longa espera pela descendência e a idade avançada ao terem Maria mostram que Deus santifica cada etapa da vida. A velhice não é inutilidade; é uma vocação de oração, sabedoria e entrega única. O seu sofrimento pela esterilidade tornou-se fecundidade espiritual imensurável.
- Preparação do “Terreno” para a Encarnação: Teologicamente, a sua vida virtuosa, o matrimónio casto e fiel, e a educação de Maria prepararam o “húmus” humano necessário para que o Verbo se fizesse carne. Foram cooperadores silenciosos mas essenciais na obra da Redenção.
Guia Prático: Sete Pilares para o Ministério dos Avós Hoje (Inspirados em Joaquim e Ana)
Duma perspetiva teológico-pastoral, eis um guia concreto para que os avós (e quem os rodeia) vivam a sua vocação à luz destes santos padroeiros:
- “Sede Memória Viva” (Pilar da Tradição):
- Avós: Contai as vossas histórias, especialmente as de fé. Como encontrastes Deus? Que provas superastes com a Sua ajuda? Partilhai tradições familiares e religiosas.
- Famílias/Netos: Perguntai. Gravai os seus testemunhos. Valorizai a sua experiência como um tesouro. Organizai “tardes de memórias”.
- Fundamento Teológico: A fé nasce da pregação (Rm 10:17). Vós sois os elos com o passado que enraízam o futuro.
- “Sede Colunas de Oração” (Pilar da Intercessão):
- Avós: Oferecei os vossos dias, alegrias e sofrimentos pelas vossas famílias, a Igreja, o mundo. Orai especialmente pelos vossos filhos e netos. O Rosário é o vosso “superpoder”.
- Famílias: Pedi-lhes explicitamente as suas orações. Dizei-lhes: “Avô, Avó, reza por mim, por este exame, por esta decisão…”. Agradecei o seu apoio espiritual.
- Fundamento Teológico: A oração do justo tem grande eficácia (Tg 5:16). A vossa proximidade da eternidade torna-vos intercessores poderosos.
- “Sede Mestres do Amor Incondicional” (Pilar da Aceitação):
- Avós: Amai os vossos netos sem julgamentos opressivos. Sede um refúgio de afeto e aceitação — distintos (não opostos) do papel educativo dos pais. Mostrai o rosto misericordioso de Deus.
- Famílias: Permiti e incentivai essa relação única. Não useis os avós apenas como “babysitters”. Valorizai o seu amor como uma dádiva única para os vossos filhos.
- Fundamento Teológico: Deus é Amor (1 Jo 4:8). A vossa capacidade de amar sem exigir reflete o Seu amor gratuito.
- “Sede Transmissores de Sabedoria, não só de Conhecimento” (Pilar da Prudência):
- Avós: Partilhai lições de vida, não apenas factos. Ensinai o valor da paciência, honestidade, perdão e perseverança a partir da vossa experiência.
- Netos: Escutai com respeito. Aprendei com os seus erros e sucessos. Os seus “conselhos” são temperados por décadas de vida.
- Fundamento Teológico: A sabedoria vem com os anos (Jó 12:12). É um dom do Espírito Santo cultivado na escola da vida.
- “Sede Pontes, não Muros” (Pilar da Unidade):
- Avós: Ajudai a sarar feridas familiares onde existam. Promovei a reconciliação. Nunca semeais divisão entre pais e filhos.
- Famílias: Reconhecei o seu papel único como agentes de unidade, especialmente em famílias separadas ou reconstituídas. Facilitai o contacto.
- Fundamento Teológico: Cristo veio unir o que estava dividido (Ef 2:14). A vossa vocação é serdes artífices de paz e comunhão.
- “Sede Testemunhas da Esperança” (Pilar da Fé Escatológica):
- Avós: Enfrentai as fragilidades e a proximidade da morte com paz e confiança em Deus. Falai com naturalidade e fé da vida eterna. A vossa serenidade é um evangelho vivo.
- Famílias: Acompanhai-os na sua fragilidade com respeito e ternura. Deixai que vos ensinem a viver com dignidade até ao fim.
- Fundamento Teológico: A nossa pátria está nos Céus (Fl 3:20). Vós, mais do que ninguém, apontais para a Pátria definitiva.
- “Sede Discípulos até ao Fim” (Pilar da Formação Permanente):
- Avós: Nunca deixeis de aprofundar a vossa fé. Lede, participai em grupos paroquiais se possível, ouvi ensinamentos. A vossa sede de Deus deve manter-se viva.
- Paróquias: Criai espaços e ministérios para e com os avós! Não apenas “apoio a idosos”, mas grupos de oração, estudos bíblicos, serviços adaptados.
- Fundamento Teológico: A santificação é um processo contínuo (1 Ts 4:3). Nunca se deixa de ser discípulo de Cristo.
Aplicação no Contexto Atual: Um Bálsamo para o Nosso Tempo
Numa sociedade com:
- Famílias fragmentadas: Joaquim e Ana são modelos de estabilidade e enraizamento.
- Crise na transmissão de valores e fé: São padroeiros da catequese familiar primária.
- Solidão dos idosos: A sua festa (26 de julho: Santa Ana; São Joaquim é celebrado com ela) convida-nos a integrá-los, visitá-los, honrá-los.
- Perda do sentido do sofrimento e da espera: A sua história ensina que o tempo de Deus é perfeito e o sofrimento oferecido é fecundo.
Como honrá-los hoje?
- Avós: Abraçai a vossa vocação com santo orgulho! Sois essenciais.
- Netos: Ligai, visitai, ouvi, abraçai os vossos avós. Dizei “obrigado”.
- Pais: Facilitai e promovei as relações avós-netos. É uma dádiva para todos.
- Paróquias: Celebrai a sua festa com solenidade. Criai um “cantinho de Santos Joaquim e Ana”. Organizai uma “bênção dos avós”.
- Todos: Orai esta oração:
«Santos Joaquim e Ana, que educastes a Mãe do Salvador, intercedei por todos os avós. Que transmitam a fé às novas gerações com sabedoria e amor. Que encontrem nas suas famílias respeito, afeto e um lugar de honra. Ámen.»
Conclusão: Os Santos Bisavós que Continuam a Tecer
Santos Joaquim e Ana não são relíquias do passado. São faróis para o nosso presente e futuro. Num mundo que envelhece mas não sabe valorizar a velhice, eles proclamam a dignidade eterna de cada pessoa, a beleza duma vida entregue a Deus e o imenso poder do amor familiar que atravessa gerações. São o modelo do avô que reza, que acolhe, que conta histórias de fé, que ama sem medida, que espera contra toda a esperança.
Hoje, mais do que nunca, precisamos de Joaquins e Anas nos nossos lares. Precisamos das suas mãos enrugadas que abençoam, das suas vozes que cantam velhas canções de embalar e salmos, dos seus olhos que viram passar tempestades e ainda brilham com a luz da Ressurreição. Eles, os avós do Deus feito homem, são os padroeiros que nos recordam: A família que reza unida, honra os seus anciãos e transmite a fé, é a família onde Cristo continua a nascer, geração após geração.
Conheces algum “Joaquim” ou “Ana” na tua vida? Hoje é o dia de lhes agradecer, abraçá-los com força, sentar-te ao seu lado e dizer: “Conta-me…”. Porque nas suas histórias, bate o coração da História da Salvação.