Segunda-feira , Agosto 4 2025

Os “valores” não são virtudes nem moral: um alerta teológico e pastoral para o nosso tempo

Vivemos em uma época em que a linguagem foi domesticada, e com ela, a consciência. Palavras como “pecado”, “virtude”, “moral” ou “mandamentos” soam incômodas ou antiquadas para muitos ouvidos modernos. Em seu lugar, ergue-se uma nova gramática, aparentemente mais neutra e tolerante, cujos protagonistas são os famosos “valores”.

Mas… o que são exatamente os “valores”? Por que substituíram na linguagem contemporânea conceitos clássicos como moral, bem ou virtude? E por que isso é perigoso, do ponto de vista teológico, pastoral e espiritual?

Neste artigo, vamos desmascarar a confusão linguística e moral em que nos vemos imersos e mostrar, com clareza e profundidade, por que os “valores” não são, nem podem ser, substitutos das virtudes nem da moral cristã. Pelo contrário, frequentemente se tornam eufemismos que relativizam o mal, subjetivam o bem e desarmam a alma diante da verdade objetiva do Evangelho.


1. Do bem objetivo ao valor subjetivo: uma mudança de paradigma

Durante séculos, a moral cristã se fundamentou em um realismo moral claro e luminoso: o bem é o que corresponde à natureza do homem criado por Deus e à sua vocação à santidade. A moral é objetiva porque nasce de uma verdade sobre o ser humano que não depende das opiniões, circunstâncias ou preferências.

As virtudes, nesse contexto, são hábitos bons e estáveis que ordenam nossas potências para o bem: prudência, justiça, fortaleza, temperança… e, no topo, as teologais: fé, esperança e caridade.

Mas o século XX trouxe uma virada. Desde Nietzsche, passando pelo existencialismo, o relativismo cultural e a pedagogia moderna, o “valor” substitui a virtude. O bem deixa de ser algo objetivo e revelado, e passa a ser aquilo que uma sociedade ou indivíduo considera “valioso”. Assim, algo pode ser “valor” para uma cultura ou pessoa, e ser desprezado por outra.

Surge, assim, uma moral fluida, democrática, negociável, onde os princípios eternos são substituídos por preferências subjetivas.


2. Valores e Virtudes: por que não são a mesma coisa

É muito comum hoje ouvir dizer que os “valores” cristãos são importantes. Mas o que isso significa realmente? Que alguém “valorize” a solidariedade ou a família não significa que viva a caridade ou a castidade.

Vejamos algumas diferenças essenciais:

VIRTUDESVALORES
ObjetivasSubjetivos
Universais e perenesRelativos e mutáveis
Exigem esforço e graçaPodem ser apenas opiniões
Formam o caráterRefletem preferências
Têm origem em Deus e na lei naturalTêm origem no indivíduo ou na cultura

Exemplo prático: uma empresa pode declarar que um de seus “valores” é o respeito… mas depois demite funcionários que se recusam a participar de campanhas imorais. O “valor” de respeito, neste caso, não é virtuoso, mas instrumentalizado para uma ideologia.


3. Por que a linguagem dos valores é perigosa

A palavra “valor” tem origem econômica. Algo “vale” se alguém o estima. Mas aplicar isso à moral supõe que o bem depende de quem o avalia. E isso abre uma porta para a justificação de qualquer coisa, inclusive do pecado, se alguém o considerar um “valor”.

Exemplos cotidianos:

  • A liberdade como valor absoluto… usada para justificar o aborto.
  • A tolerância como valor… para silenciar a verdade.
  • A diversidade como valor… para impor ideologias contrárias à fé.

Diz-se: “isso está de acordo com meus valores” ou “respeito seus valores, mesmo que não compartilhe”. Mas… onde fica a verdade? Onde fica Deus? Onde fica o bem e o mal objetivos?

A linguagem dos valores anula a exigência moral e espiritual da conversão. Torna-se uma anestesia ética.


4. Fundamento bíblico: a moral de Deus não é negociável

A Escritura é clara: Deus não nos deu “valores”, mas mandamentos. A moral evangélica é exigente, concreta e objetiva.

“Se me amais, guardareis os meus mandamentos.” (João 14,15)

“Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem mal.” (Isaías 5,20)

Cristo não disse: “os valores do Reino de Deus são…” Ele falou de bem-aventuranças, de cumprir a Lei, de amar até a cruz, de renunciar a si mesmo. Os apóstolos exortavam à virtude, não à “valoração”.


5. Aplicações práticas: como recuperar as virtudes em um mundo de valores

A. No lar

  • Ensinar as crianças que não basta “respeitar os valores dos outros”, mas que há um bem verdadeiro que se deve buscar.
  • Formar na prática das virtudes: dizer a verdade, cumprir os deveres, rezar com perseverança, controlar os impulsos.
  • Corrigir os erros chamando-os pelo nome: mentira, preguiça, egoísmo… não “falta de valores”, mas pecados a serem vencidos com a graça.

B. Na vida pessoal

  • Examinar a consciência com base nos mandamentos e nas virtudes, não em “valores”.
  • Pedir a Deus as virtudes que faltam: fé viva, esperança firme, caridade ardente.
  • Evitar o autoengano de pensar: “sou boa pessoa porque tenho bons valores”… sem viver realmente o bem.

C. Na evangelização e na pastoral

  • Propor claramente a moral católica, sem eufemismos. Falar de pecado, conversão, virtude e graça.
  • Cuidar para não reduzir o Evangelho a um conjunto de “valores cristãos”. Isso o banaliza e o dilui.
  • Ensinar que o pecado é real, que a salvação é necessária e que a moral não é uma opinião, mas uma resposta ao amor de Deus.

6. Guia prática teológico-pastoral: substitua os valores pelas virtudes

SE DIZSUBSTITUA POR
Valor da liberdadeVirtude da fortaleza e da responsabilidade
Valor da empatiaVirtude da caridade
Valor do respeitoVirtude da justiça
Valor da autenticidadeVirtude da humildade e da veracidade
Valor da diversidadeVirtude da prudência e da fraternidade bem ordenada

Critério prático: Pergunte-se sempre… isto que eu chamo de valor, me leva a viver uma virtude concreta? Me aproxima de Deus e da verdade objetiva do Evangelho?


7. Conclusão: voltar à linguagem da fé para recuperar a clareza da vida

Não se trata de uma batalha semântica ou intelectual. É uma batalha pela alma, pela salvação, pela verdade que liberta (João 8,32). A confusão na linguagem moral é sinal e causa de confusão na consciência.

Devemos recuperar a linguagem cristã tradicional, clara e luminosa: virtude, pecado, mandamento, graça, verdade, bem e mal objetivos.

Os “valores” continuarão sendo usados no mundo secular. Mas nós, cristãos, não podemos permitir que substituam a moral e a fé. Devemos formar a consciência, não segundo as modas ou tendências culturais, mas segundo o Evangelho eterno.

Porque, no final, não seremos julgados por nossos valores, mas por nossas virtudes — ou a falta delas.

“A cada um será dado segundo as suas obras.” (Romanos 2,6)

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Pater noster, qui es in cælis: sanc­ti­ficétur nomen tuum; advéniat regnum tuum; fiat volúntas tua, sicut in cælo, et in terra. Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie; et dimítte nobis débita nostra, sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris; et ne nos indúcas in ten­ta­tiónem; sed líbera nos a malo. Amen.

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