Durante séculos, o comungatório — aquela discreta e muitas vezes esquecida grade que separava o presbitério da nave da igreja — foi testemunha silenciosa de incontáveis encontros sagrados entre Cristo e a alma. Muito além de um simples elemento arquitetônico, o comungatório é um verdadeiro símbolo teológico e pastoral que ensina, convida, protege e exorta. É, em sua essência, uma ponte sagrada entre o Céu e a terra.
Hoje, quando tantas igrejas optaram por sua remoção, é mais urgente do que nunca redescobrir seu profundo significado, sua origem, seu uso e sua atual relevância espiritual. Neste artigo, exploraremos a história, a teologia e a aplicação prática do comungatório — para que, ao final, possamos não apenas compreendê-lo, mas também permitir que ele fale de novo aos nossos corações.
1. O que é o comungatório? Muito mais que uma grade
O comungatório, também chamado de grade do altar, é a estrutura — geralmente de madeira, ferro ou mármore — que separa fisicamente o presbitério (a parte onde se encontra o altar e o sacerdote) da nave (onde ficam os fiéis). No entanto, a sua função vai muito além da separação física. Ele serve como:
- Lugar de comunhão: Os fiéis ajoelhavam-se ali para receber a Sagrada Comunhão na boca.
- Símbolo teológico: Representa a separação entre o sagrado e o profano, entre o Céu e a terra, entre o ministério sacerdotal e o sacerdócio comum dos fiéis.
- Espaço de reverência: Ao ajoelhar-se ali, o fiel reconhece a majestade de Cristo presente na Eucaristia.
2. Uma ponte e não uma barreira
À primeira vista, pode parecer contraditório falar de um elemento que “separa” como sendo algo que “aproxima”. Mas o comungatório é exatamente isso: um limiar sagrado. Ele marca o ponto de encontro entre Deus e o homem, entre o sacerdote que oferece o Sacrifício e o fiel que o recebe.
Como o véu do Templo, que escondia o Santo dos Santos, o comungatório revela pela separação. E como a encarnação de Cristo, que uniu a divindade à humanidade sem confundi-las, o comungatório une sem apagar as distinções.
3. Raízes bíblicas e espirituais
A ideia de separar o espaço sagrado tem raízes bíblicas profundas. No Antigo Testamento, o Templo de Jerusalém tinha áreas bem definidas: o Átrio dos gentios, o Átrio dos israelitas, o Lugar Santo e o Santo dos Santos. Somente o sumo sacerdote podia atravessar o véu e entrar no Santo dos Santos — uma vez por ano.
Da mesma forma, a arquitetura cristã refletiu esta consciência: o altar, lugar do sacrifício eucarístico, não era acessado por qualquer um. Essa separação não era exclusão, mas proteção, reverência e pedagogia espiritual.
O comungatório, portanto, ensina com sua presença: “Este lugar é santo. Aproxime-se com temor e fé.”
“Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis vossas pérolas diante dos porcos.” (Mateus 7,6)
4. História do comungatório: origens e desenvolvimento
Desde os primeiros séculos do cristianismo, as igrejas tinham formas de delimitar o espaço sagrado. No Oriente, eram chamadas de iconostases; no Ocidente, assumiram a forma de baldaquinos, cancelas ou comungatórios.
- Idade Média: O comungatório tornou-se parte integrante da arquitetura litúrgica, com frequência ornamentado e elevado.
- Concílio de Trento: Reforçou a importância da separação entre o altar e os fiéis, para proteger a reverência da Missa e da Eucaristia.
- Século XIX e XX: O comungatório foi universalmente usado em todas as igrejas católicas, símbolo visível da fé no Sagrado.
- Pós-concílio Vaticano II: Em muitas igrejas, o comungatório foi removido em nome da “proximidade”, perdendo-se muitas vezes o sentido profundo que carregava.
5. Relevância teológica: onde ajoelham os anjos
O comungatório não é uma “barreira” de exclusão, mas um lugar de humildade. Ajoelhar-se ali é fazer o que os anjos fazem diante do trono de Deus. A presença real de Cristo na Eucaristia exige uma resposta corporal: o ajoelhar, o silêncio, o recolhimento.
Hoje, em tempos de confusão litúrgica e banalização do sagrado, o comungatório pode ser um poderoso sinal contra a irreverência. Ele grita — mesmo em silêncio — que ali está Deus.
6. Aplicações práticas: como recuperar o espírito do comungatório
Mesmo em igrejas onde não existe mais a grade física, é possível recuperar o espírito do comungatório:
- Ajoelhar-se para comungar: Mesmo sem grade, o corpo pode exprimir reverência com este gesto bimilenar.
- Promover o recolhimento: Incentivar o silêncio antes e depois da Missa. Criar espaços sagrados na vida cotidiana.
- Educar na reverência: Ensinar às crianças e aos fiéis que o altar não é um palco, mas um Calvário místico.
- Usar genuflexórios portáteis: Algumas paróquias restauraram comungatórios móveis para fomentar a reverência.
7. Guia pastoral e teológica: passos para revalorizar o comungatório
- Catequese Eucarística: Iniciar formações sobre a Presença Real de Cristo e os modos de honrá-la.
- Liturgia bem celebrada: Rever Missas paroquiais para garantir a centralidade da Eucaristia e a linguagem sagrada.
- Arquitetura sagrada: Se possível, restaurar elementos tradicionais (comungatório, altar ad orientem, etc.).
- Exemplos visíveis: Que sacerdotes e ministros sejam os primeiros a mostrar reverência ao altar e ao Sagrado.
- Orações apropriadas: Introduzir orações de preparação e ação de graças após a comunhão.
8. O comungatório na vida diária: um altar no coração
O comungatório também nos convida a criar um “limiar sagrado” em nossas almas. Um espaço interior onde Deus é recebido com humildade, onde o coração se ajoelha e o ego se cala.
Na vida doméstica, pode inspirar:
- Um cantinho de oração em casa.
- Um modo mais reverente de tratar os sacramentais.
- Uma consciência renovada de que somos templos do Espírito Santo (cf. 1 Coríntios 6,19).
Conclusão: O retorno da reverência começa com gestos concretos
O mundo moderno perdeu muitos sinais. E com eles, perdeu significados. O comungatório é um desses sinais. Mas ele pode — e deve — voltar. Não apenas como uma estrutura de ferro ou mármore, mas como uma atitude da alma. Reverência. Silêncio. Adoração.
Em tempos de pressa e irreverência, o comungatório nos recorda que Deus merece o melhor. Que Ele está ali. Que é o Santo dos Santos.
E que — sim — vale a pena ajoelhar-se diante d’Ele.
“Diante do nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na terra e debaixo da terra.”
(Filipenses 2,10)