João 6 e a Eucaristia: Por que muitos abandonaram Jesus por este ensinamento?

Entre os capítulos mais impactantes e divisivos do Evangelho está João 6. Nele, Jesus não apenas realiza o milagre da multiplicação dos pães, mas também pronuncia um dos discursos mais profundos e desafiadores de toda a Sagrada Escritura: o Discurso do Pão da Vida. Esse ensinamento não foi apenas incompreendido, mas também causou escândalo e separação. Muitos, que até então seguiam o Senhor com entusiasmo, voltaram atrás e não mais caminharam com Ele. A pergunta que se impõe é: por quê? E talvez mais importante ainda: por que esse ensinamento continua escandalizando tantos ainda hoje?


O contexto: um milagre e uma multidão

O capítulo 6 do Evangelho segundo São João começa com um milagre grandioso: a multiplicação de cinco pães e dois peixes para alimentar uma multidão de cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças. Este gesto não era apenas caritativo, era um sinal messiânico. Como o maná do deserto dado a Moisés, este pão multiplicado apontava para algo maior, para um alimento que viria do céu e daria a verdadeira vida.

Após o milagre, a multidão queria fazer de Jesus rei (Jo 6,15), mas Ele se retirou para o monte. No dia seguinte, as pessoas O procuraram novamente, e foi então que Jesus iniciou um discurso que mudaria tudo.


“Eu sou o pão da vida”

Jesus começou a revelar que havia algo mais importante que o pão material: “Não trabalhem pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna” (Jo 6,27). Ele se apresenta como o verdadeiro pão do céu: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim nunca mais terá fome” (Jo 6,35). A multidão começa a murmurar. Eles haviam pedido sinais, como o maná de Moisés. Jesus responde com algo surpreendente:

“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne para a vida do mundo” (Jo 6,51).


O escândalo da carne

A reação dos ouvintes foi imediata: “Como pode este homem dar-nos de comer a sua carne?” (Jo 6,52). Jesus poderia ter recuado, explicado de forma simbólica, amenizado a linguagem. Mas não. Ele insiste, aprofundando ainda mais:

“Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia. Pois a minha carne é verdadeira comida, e o meu sangue, verdadeira bebida” (Jo 6,53-55).

Não é uma metáfora, não é uma parábola. A linguagem é concreta, real, literal. Tanto assim que os ouvintes, até mesmo muitos dos discípulos, disseram:

“Este ensinamento é duro demais. Quem pode escutá-lo?” (Jo 6,60).


A crise da fé

O versículo mais dramático vem pouco depois: “A partir daquele momento, muitos dos seus discípulos voltaram atrás e já não andavam com Ele” (Jo 6,66).

É um dos momentos mais tristes dos Evangelhos. A verdade revelada, o mistério profundo da Eucaristia, torna-se causa de separação. Jesus não os detém. Não diz “esperem, não era isso que eu queria dizer”. Pelo contrário, volta-se para os Doze e lhes pergunta:

“Também vós quereis ir embora?” (Jo 6,67)

E então, Pedro responde com fé:

“Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).

Pedro não diz que compreende tudo, mas crê. E essa é a chave do mistério.


Uma doutrina escandalosa até hoje

Dois mil anos depois, o discurso de Jesus continua a provocar escândalo. Muitos cristãos que afirmam seguir Jesus rejeitam a doutrina da Presença Real na Eucaristia. Para eles, trata-se apenas de um símbolo, uma recordação. Mas a Igreja Católica sempre entendeu – desde os primeiros séculos – que na Santa Missa, após as palavras da consagração, o pão já não é pão, e o vinho já não é vinho, mas o verdadeiro Corpo e Sangue de Cristo.

A transubstanciação – esse termo filosófico usado para expressar uma realidade sobrenatural – não é uma invenção medieval, mas o desenvolvimento doutrinal de uma verdade revelada por Jesus em João 6 e vivida pela Igreja desde os apóstolos.

Santo Inácio de Antioquia (†107), discípulo de São João, já escrevia:

“Eles se afastam da Eucaristia porque não confessam que a Eucaristia é a carne do nosso Salvador Jesus Cristo.”


A fé eucarística: coração da vida cristã

A fé na Eucaristia não é um detalhe, é o coração do catolicismo. Como dizia São João Paulo II, “a Igreja vive da Eucaristia”. É na Missa que nos unimos ao Sacrifício de Cristo. É na comunhão que nos alimentamos do próprio Deus. É diante do Santíssimo Sacramento que contemplamos, adoramos e somos transformados.

Negar a Eucaristia é como recusar o próprio Cristo. Por isso, muitos se afastaram. E por isso, muitos hoje vivem uma fé morna, superficial, sem sacramentos, sem adoração, sem verdadeira transformação.


Aplicações práticas: como viver João 6 hoje?

  1. Redescobrir a Missa como o centro da vida
    Ir à Missa não é apenas uma obrigação dominical. É participar do Sacrifício redentor de Cristo. Ir à Missa é receber o Pão da Vida que nos fortalece na caminhada. É, como os primeiros cristãos, “perseverar na fração do pão” (At 2,42).
  2. Preparar-se dignamente para a comunhão
    São Paulo adverte: “Quem come o pão ou bebe o cálice do Senhor indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor” (1Cor 11,27). Isso implica confissão, reverência, jejum e fé. A Eucaristia não é um direito automático, é um dom sagrado.
  3. Adorar o Santíssimo Sacramento
    “Jesus está ali, no sacrário, esperando por ti”, dizia Santa Teresa de Calcutá. A adoração eucarística é uma fonte de graças, cura, discernimento e paz. Uma hora diante do Senhor muda uma vida inteira.
  4. Educar na fé eucarística
    Em casa, nas catequeses, nas escolas, é preciso formar as novas gerações para reconhecer e amar Jesus na Eucaristia. Ensinar a genuflexão, o silêncio, a reverência. Explicar João 6 com clareza, coragem e ternura.

Conclusão: A grande decisão

A passagem de João 6 nos coloca diante de uma escolha: ficar ou ir embora. Crer ou murmurar. Adorar ou banalizar. Jesus continua nos perguntando hoje: “Também vós quereis ir embora?”

A resposta não exige plena compreensão, mas fé. Como Pedro, podemos responder:

“Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna.”

Na Eucaristia está o Cristo vivo. Aquele que se deu por nós na Cruz, continua se entregando por amor em cada Missa. Muitos se afastaram por esse ensinamento. Mas os santos se apaixonaram por ele. E tu?

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Pater noster, qui es in cælis: sanc­ti­ficétur nomen tuum; advéniat regnum tuum; fiat volúntas tua, sicut in cælo, et in terra. Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie; et dimítte nobis débita nostra, sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris; et ne nos indúcas in ten­ta­tiónem; sed líbera nos a malo. Amen.

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