Segunda-feira , Abril 28 2025

“Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa”: Uma reflexão sobre a autenticidade na vida espiritual e o perigo de buscar o reconhecimento humano

No Evangelho de Mateus (6,2), Jesus nos adverte com uma frase que, embora breve, contém uma profundidade teológica e espiritual imensa: “Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa.” Essas palavras, pronunciadas no contexto do Sermão da Montanha, nos convidam a refletir sobre a intenção por trás de nossas ações, especialmente quando se trata de praticar a virtude e buscar a santidade. Em um mundo onde as redes sociais e a cultura do “like” transformaram a maneira como nos relacionamos com os outros e conosco mesmos, esse ensinamento de Cristo assume uma relevância surpreendentemente atual.

A origem e o contexto histórico do aviso de Jesus

Para compreender plenamente o significado dessa frase, é necessário nos situarmos no contexto histórico e cultural em que Jesus a proferiu. Na Palestina do século I, a religião judaica era profundamente marcada por práticas piedosas como a esmola, a oração e o jejum. No entanto, essas práticas, que em si mesmas eram boas e necessárias, corriam o risco de serem distorcidas pela busca do reconhecimento humano. Os fariseus, por exemplo, eram conhecidos por ostentar sua religiosidade, buscando a admiração dos homens mais do que a glória de Deus.

Jesus, em Sua infinita sabedoria, identifica esse perigo e nos adverte: “Quando, pois, deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem glorificados pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa” (Mateus 6,2). Em outras palavras, se nossa motivação para fazer o bem é receber o aplauso dos outros, esse aplauso será nossa única recompensa. Não haverá mérito diante de Deus, porque nossa intenção não estava voltada para Ele, mas para nós mesmos.

A recompensa humana vs. a recompensa divina

Essa passagem nos introduz a uma distinção crucial na vida espiritual: a diferença entre a recompensa humana e a recompensa divina. A recompensa humana é efêmera, superficial e, em última análise, insatisfatória. É o “like” nas redes sociais, o elogio de um amigo, o reconhecimento público. É algo que, embora possa nos dar uma satisfação momentânea, não preenche o coração e não nos aproxima de Deus.

A recompensa divina, por outro lado, é eterna e transformadora. É a graça de Deus, a paz interior, a alegria que vem de saber que estamos fazendo Sua vontade. É a promessa da vida eterna, que não pode ser comparada a nenhum reconhecimento humano. Como nos diz São Paulo na carta aos Colossenses: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de bom coração, como para o Senhor e não para os homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança” (Colossenses 3,23-24).

O perigo da vaidade na vida espiritual

Um dos maiores perigos na vida espiritual é a vaidade, aquele desejo sutil, mas poderoso, de ser reconhecido, admirado e elogiado. A vaidade pode se infiltrar até mesmo em nossas ações mais santas, transformando a oração, o jejum e a esmola em atos de autopromoção. É por isso que Jesus nos chama a praticar essas virtudes em segredo: “Mas, quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua direita” (Mateus 6,3).

São João da Cruz, o grande místico e Doutor da Igreja, falava da “noite escura da alma”, um processo de purificação no qual o crente deve se desapegar de todos os apegos, incluindo o apego às consolações espirituais e ao reconhecimento humano. Somente na escuridão da fé podemos encontrar verdadeiramente Deus.

Um exemplo ilustrativo: São Francisco de Assis e o leproso

Conta-se que São Francisco de Assis, em sua juventude, sentia uma profunda repulsa pelos leprosos. Um dia, enquanto cavalgava perto de Assis, ele encontrou um leproso. Em vez de fugir, como teria feito no passado, Francisco desceu de seu cavalo, abraçou o leproso e deu-lhe esmola. Naquele momento, ele experimentou uma profunda transformação interior. Mais tarde, ele diria que o que antes lhe parecia amargo (o contato com os leprosos) havia se tornado doce.

Esse exemplo ilustra perfeitamente o espírito do ensinamento de Jesus. Francisco não buscava o reconhecimento dos outros; na verdade, é provável que ninguém o visse naquele momento. Sua ação foi motivada pelo amor a Deus e ao próximo, e foi precisamente nessa autenticidade que ele encontrou sua recompensa: a graça da conversão.

A atualidade desse ensinamento

Em nossa era digital, onde a imagem pública e a validação externa se tornaram uma obsessão para muitos, o aviso de Jesus é mais pertinente do que nunca. Quantas vezes publicamos nossas boas ações nas redes sociais, esperando que outros as vejam e nos aplaudam? Quantas vezes nos preocupamos mais com a aparência da santidade do que com a santidade em si?

Jesus nos convida a viver de maneira autêntica, a buscar a recompensa que vem de Deus e não a que vem dos homens. Isso não significa que devamos esconder nossas boas ações, mas que devemos examinar nossas intenções. Estamos fazendo isso por amor a Deus e ao próximo, ou por amor a nós mesmos?

Conclusão: A autenticidade como caminho para a santidade

A frase “Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa” é um chamado à autenticidade em nossa vida espiritual. Ela nos desafia a examinar nossas intenções, a purificar nossos motivos e a buscar sempre a glória de Deus acima da nossa. Em um mundo que nos pressiona constantemente a buscar uma validação externa, esse ensinamento nos lembra que a única recompensa que realmente importa é a que vem de Deus.

Que essa reflexão nos inspire a viver com maior autenticidade, a praticar as virtudes não pelo que elas podem nos dar nesta vida, mas pelo amor que temos a Deus e ao próximo. Como diz Santo Agostinho: “Ama e faze o que quiseres.” Porque, quando amamos verdadeiramente, nossas ações não buscam mais uma recompensa humana, mas se tornam um reflexo do amor de Deus no mundo.


Este artigo não apenas visa educar, mas também inspirar uma vida espiritual mais profunda e autêntica. Em um mundo cheio de ruído e distrações, a voz de Jesus continua a ressoar com clareza: “Em verdade vos digo: já receberam sua recompensa.” Que essas palavras nos guiem em nosso caminho para a santidade.

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Pater noster, qui es in cælis: sanc­ti­ficétur nomen tuum; advéniat regnum tuum; fiat volúntas tua, sicut in cælo, et in terra. Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie; et dimítte nobis débita nostra, sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris; et ne nos indúcas in ten­ta­tiónem; sed líbera nos a malo. Amen.

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