Um guia espiritual inspirado na vida de um humilde eremita que escreveu a história da Igreja com sua obediência radical a Deus
Introdução: Um Papa que não queria ser Papa
Num mundo em que poder, visibilidade e sucesso são frequentemente os critérios do valor pessoal, a figura de Celestino V brilha com uma luz totalmente diferente — quase escandalosamente pura. Um homem que vivia como eremita numa caverna foi eleito Papa… e depois renunciou. O que essa história, que mais parece uma lenda, tem a nos dizer hoje? Que ressonância ela pode ter em nosso tempo, onde a espiritualidade muitas vezes se perde no barulho e na agitação?
Este artigo é um convite a caminhar nas pegadas de Pietro del Morrone — mais conhecido como Celestino V — o homem que fugiu do trono, preferiu a oração ao poder e escolheu o silêncio ao aplauso do mundo. Vamos descobrir juntos sua história, seu profundo significado teológico e como podemos encontrar força e inspiração para a nossa vida cotidiana.
I. Um homem escondido em Deus: Quem foi Celestino V?
Do jovem monge ao eremita nas montanhas
Pietro del Morrone nasceu por volta de 1215 em Isernia, no Reino de Nápoles, o décimo primeiro filho de uma família camponesa. Desde jovem sentiu um chamado profundo à penitência e à solidão. Entrou na Ordem beneditina, mas logo escolheu a vida eremítica nas montanhas dos Abruzos. Numa caverna isolada no Monte Morrone, dedicou-se à oração, ao jejum e à contemplação.
Sua fama de santidade se espalhou rapidamente, e muitos vinham até ele em busca de conselhos espirituais. Fundou uma ordem monástica de observância estrita beneditina: os Celestinos.
O conclave mais longo da história
Com a morte do Papa Nicolau IV, em 1292, o conclave paralisou. Durante mais de dois anos, os cardeais, divididos por tensões políticas, não conseguiam eleger um novo pontífice. Pietro del Morrone escreveu uma carta aos cardeais exortando-os, de forma profética, a escolherem um Papa para o bem da Igreja. Essa carta foi interpretada como um sinal divino… e, para surpresa geral, ele mesmo foi escolhido como o novo Papa.
A missão até a caverna: em busca do Papa
Uma procissão de bispos, clérigos, nobres e delegados do rei de Nápoles escalou a montanha para alcançar o eremita que jamais imaginaria subir ao trono de Pedro. Quando lhe comunicaram a notícia, Pietro chorou. Segundo algumas crônicas, até tentou fugir. Mas, no fim, por obediência à vontade de Deus, aceitou.
Em 1294, foi coroado em L’Aquila — montado num jumento — com a mesma simplicidade que caracterizou toda a sua vida. Escolheu o nome Celestino V.
II. Uma renúncia que fez história
Apenas cinco meses de pontificado
Celestino V não estava preparado para o peso político do pontificado. Rapidamente percebeu que estava sendo usado por interesses mundanos. Sua sensibilidade monástica e seu amor pela oração entravam em conflito com a corrupção da cúria romana. Diante dessa tensão, e após consultar juristas, promulgou um decreto que permitia a renúncia papal. E renunciou.
Em 13 de dezembro de 1294, após apenas cinco meses como Papa, deixou o trono pontifício e retornou à solidão. Foi o primeiro Papa da história a renunciar voluntariamente. Mais de 700 anos depois, Bento XVI seguiria seu exemplo.
Um ato de profunda teologia
A renúncia de Celestino não foi sinal de fraqueza, mas uma decisão espiritualmente amadurecida. Reconheceu que não era o homem certo para aquele cargo. O teólogo Joseph Ratzinger, antes mesmo de se tornar Papa, escreveu que Celestino V mostrou ao mundo que a grandeza do papado não está no poder, mas na obediência a Deus.
“Quando sou fraco, então é que sou forte.”
— 2 Coríntios 12,10
III. Significado espiritual e teológico
1. O silêncio como resistência
Num tempo dominado pelo ruído e pela superexposição midiática, o testemunho de Celestino é uma provocação: o silêncio pode ser fecundo. Ele nos lembra que a voz de Deus só se escuta quando calamos todas as outras. Escolheu a caverna em vez do palácio porque lá podia rezar sem distrações. Onde está hoje a sua “caverna”?
2. Obediência em vez de ambição
Sua vida questiona nossa ideia de sucesso. Ele não buscou poder nem prestígio. Ensina-nos que a obediência à vontade de Deus pode nos levar por caminhos inesperados — até o papado… ou de volta ao eremitério. Mas todo caminho, se vivido em união com Deus, conduz à santidade.
3. A renúncia como ato de amor
Nossa cultura rejeita a renúncia. Mas a vida de Celestino mostra que há renúncias que salvam. Renunciar ao controle, ao orgulho, ao que não edifica, pode se tornar um gesto profundamente cristão.
IV. Aplicações práticas para a vida cotidiana
Como viver hoje no espírito de Celestino V
- Encontre sua caverna interior: Separe momentos diários de silêncio para rezar. Desligue o celular. Faça o mundo calar. Não é preciso uma montanha para estar a sós com Deus.
- Discirna sua vocação: Pergunte-se todos os dias se o que você faz está de acordo com o Evangelho. Nem tudo o que brilha é o seu caminho. Celestino aceitou — e depois renunciou — quando compreendeu que aquela não era sua missão.
- Viva na humildade: O caminho para a santidade começa ao reconhecermos que não somos indispensáveis. A humildade de Celestino nos ensina que Deus age mais frequentemente pelos pequenos do que pelos poderosos.
- Pratique a renúncia libertadora: Renuncie às redes sociais, ao ruído, ao ego. Ofereça essa renúncia como oração. Viva o Evangelho do desapego.
- Obediência espiritual: Ouça a voz de Deus na Palavra, na oração, na consciência. Obedeça mesmo quando for difícil. Como fez Celestino.
V. Conclusão: Celestino – um espelho de fidelidade radical ao Evangelho
Celestino V foi um Papa que preferiu ser servo. Um homem que disse “sim” a Deus na caverna e “não” ao poder, quando entendeu que não era sua missão. Sua vida é uma parábola viva do Evangelho, uma provocação à lógica do mundo, um convite ardente à verdadeira santidade.
Hoje, mais do que nunca, seu exemplo é necessário. Não para fugirmos do mundo, mas para vivermos nele com o coração livre, silencioso, obediente. Para lembrarmos que não há glória maior do que estar escondido com Cristo em Deus.
“Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão dadas por acréscimo.”
— Mateus 6,33
E você? Está pronto para encontrar sua caverna interior e escutar a voz de Deus?