A Sala das Lágrimas: Onde o Espírito Santo fala no silêncio

Introdução: O lugar onde os escolhidos tremem

Existem lugares no mundo que não aparecem em guias turísticos, que não são retratados em cartões-postais, mas que guardam um dos mistérios mais profundos da vida da Igreja. Um desses lugares é a Sala das Lágrimas, aquele pequeno espaço ao lado da Capela Sistina, onde o novo Papa, recém-eleito, se recolhe para um momento de silêncio, oração… e lágrimas.

Sim, lágrimas. Porque é ali, naquele cômodo tão simples quanto carregado de significado espiritual, que o novo Vigário de Cristo se confronta, pela primeira vez, a sós, com a imensidão da missão que acaba de lhe ser confiada: ser sucessor de Pedro, guia da Igreja universal, servo dos servos de Deus.

Mas o que essa sala escondida pode nos ensinar, a nós, simples fiéis? Muito mais do que imaginamos. Porque a Sala das Lágrimas não é apenas um espaço físico, mas uma realidade espiritual que toca também as nossas vidas, os nossos momentos de crise, de discernimento, de decisão e de entrega a Deus.


O que é a Sala das Lágrimas?

A Sala das Lágrimas encontra-se ao lado da Capela Sistina, e é chamada assim porque, segundo a tradição, ali muitos dos Papas recém-eleitos choraram, dominados pelo peso da missão que acabavam de receber. Um dos testemunhos mais comoventes é o de São João XXIII, que chorou ao ver diante de si a batina branca que deveria vestir. O mesmo é contado sobre Bento XVI, que descreveu a eleição ao trono pontifício como “uma guilhotina”.

Na sala encontram-se três batinas brancas de tamanhos diferentes, um espelho, um crucifixo, um genuflexório, uma mesa… e sobretudo o silêncio, um silêncio denso, eloquente, que faz tremer os joelhos.

A Sala das Lágrimas é a fronteira invisível entre o antes e o depois, entre o homem e o ungido, entre a vontade humana e a vontade divina. É um Getsêmani em miniatura.


Dimensão teológica: As lágrimas que purificam e consagram

Na tradição cristã, as lágrimas não são sinal de fraqueza, mas de abertura do coração a Deus. O choro está frequentemente presente nos momentos mais sublimes do encontro com o sagrado. Santo Agostinho, nas Confissões, fala das lágrimas como a linguagem da alma, que só Deus compreende. E a Bíblia confirma:

«Tu contaste os passos do meu vagar; recolheste as minhas lágrimas no teu odre. Não estão elas inscritas no teu livro?»
(Salmo 56,9)

Na Sala das Lágrimas, o Papa não chora por medo dos homens, mas por temor de Deus, por amor ao Corpo Místico de Cristo que deverá guiar. Essas lágrimas são semelhantes às de Cristo no Getsêmani:

«Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Contudo, não se faça a minha vontade, mas a tua.»
(Lucas 22,42)

Não é um choro de fuga, mas um choro de entrega. As lágrimas que caem naquela sala não são inúteis. São lágrimas que consagram.


Uma lição para todos: A Sala das Lágrimas em nossas vidas

Ainda que jamais sejamos chamados a vestir a batina branca do Papa, todos nós temos a nossa própria “Sala das Lágrimas”. É o lugar do coração onde somos chamados a dizer “sim” a Deus nos momentos cruciais da vida. É o tempo do discernimento, da decisão, da rendição. É o lugar da crise que antecede a graça.

Pode ser:

  • quando uma mãe reza entre lágrimas pelo filho doente;
  • quando um jovem decide entrar no seminário ou convento;
  • quando uma família enfrenta a perda do emprego ou uma doença grave;
  • quando um sacerdote vive a noite escura da fé;
  • quando um pecador chora sinceramente no confessionário.

Nesses momentos, entramos espiritualmente na Sala das Lágrimas. É ali que, no silêncio, Deus nos fala, nos molda, nos reveste do homem novo.


Guia teológico-pastoral: Como viver a sua “Sala das Lágrimas”

1. Busque o silêncio

O silêncio é a primeira linguagem de Deus. Num mundo barulhento, a Sala das Lágrimas nos ensina que só no silêncio a alma pode escutar. Lembre-se da passagem de Elias no monte Horeb:

«Depois do fogo, veio o murmúrio de uma leve brisa. Quando Elias o ouviu, cobriu o rosto com o manto…»
(1 Reis 19,12-13)

Faça silêncio. Entre no seu “quarto secreto”. Desligue os aparelhos. Deixe Deus falar.


2. Não tenha medo de chorar

O choro espiritual é uma graça. É sinal de que o coração está vivo, de que a alma não está endurecida. Como dizia Santa Teresa d’Ávila:

«Chorar diante de Deus não é fraqueza: é dom do Espírito Santo.»

As lágrimas sinceras derretem o orgulho, abrem o coração e preparam o caminho para a graça.


3. Discernir com humildade

No momento da prova, da vocação ou da crise, pergunte como Maria:

«Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra.»
(Lucas 1,38)

Não busque o que te convém, mas o que Deus quer de ti. A Sala das Lágrimas é também a sala da obediência.


4. Revista-se do homem novo

Na Sala das Lágrimas, o novo Papa se reveste de branco. Também nós somos chamados a despirmo-nos do velho homem e a nos revestirmos de Cristo:

«Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo.»
(Romanos 13,14)

Abandone os hábitos antigos, o orgulho, o medo. Vista a misericórdia, a mansidão, a fé.


5. Saia com uma missão

Da Sala das Lágrimas, o Papa sai para se apresentar ao mundo e iniciar seu ministério. Também tu, após cada momento de prova, és chamado a sair com uma missão. Talvez não fales a multidões, mas poderás:

  • amar melhor os teus familiares;
  • perdoar um inimigo;
  • testemunhar Cristo no trabalho;
  • consolar quem sofre.

O mundo precisa de testemunhas silenciosas, marcadas pela oração e pelo choro santo.


Uma lição para todos: O Papa como ícone da nossa conversão

Ver um homem tremer e chorar antes de vestir a batina papal nos recorda que a santidade não é ausência de medo, mas vitória sobre ele por amor. O Papa, naquele momento, é um ícone vivo da nossa luta interior, do nosso chamado à santidade.

Também tu és chamado a ser luz no teu pequeno mundo, a guiar, servir, consolar. Não são necessários gestos heroicos, mas fidelidade diária.


Conclusão: Entra também tu na tua Sala das Lágrimas

Hoje, talvez, nenhum Conclave esteja acontecendo. Mas um chamado divino pode bater ao teu coração a qualquer momento. Não é preciso uma batina branca para estar vestido de Cristo. Basta dizer:

«Senhor, eis-me aqui.»

Entra na tua Sala das Lágrimas. Não temas o silêncio. Não fujas das lágrimas.
Ali, Deus te fala, te molda, te envia.

«Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados.»
(Mateus 5,4)


Já viveste a tua Sala das Lágrimas?
Disseste o teu “sim” a Deus, mesmo tremendo?

Não precisas ser Papa para responder ao Espírito Santo:
“Eis-me aqui, Senhor: faça-se em mim a tua vontade.”

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Pater noster, qui es in cælis: sanc­ti­ficétur nomen tuum; advéniat regnum tuum; fiat volúntas tua, sicut in cælo, et in terra. Panem nostrum cotidiánum da nobis hódie; et dimítte nobis débita nostra, sicut et nos dimíttimus debitóribus nostris; et ne nos indúcas in ten­ta­tiónem; sed líbera nos a malo. Amen.

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