Introdução: Estamos hoje a construir uma nova Torre de Babel?
Num mundo hiperconectado, onde cada palavra pode dar a volta ao planeta em segundos, poder-se-ia pensar que a humanidade nunca se compreendeu tão bem. No entanto, paradoxalmente, talvez nunca nos tenhamos sentido tão incompreendidos, divididos e confusos como hoje. Falamos a mesma língua – ou assim pensamos – mas não nos entendemos. Termos como “liberdade”, “justiça”, “amor”, “verdade” ou “paz” são constantemente usados… mas com significados completamente diferentes. Esta crise de sentido, esta rutura na comunicação profunda, remete-nos para um episódio bíblico que não é apenas uma história antiga, mas uma realidade atual: a Torre de Babel.
A história da Torre de Babel não trata apenas da confusão das línguas, mas da confusão do coração humano que tenta alcançar o céu sem Deus, que deseja unidade sem verdade, progresso sem moral. Hoje, no século XXI, nas nossas sociedades globalizadas, relativistas e desenraizadas, a humanidade parece construir uma nova torre – não mais de tijolos, mas de ideias vazias e palavras esvaziadas de significado. E, mais uma vez, sem Deus.
1. A Torre de Babel original: o orgulho disfarçado de unidade
A história da Torre de Babel encontra-se no livro do Génesis 11,1-9. Após o dilúvio, a humanidade começa a multiplicar-se. Os homens querem fazer um nome para si mesmos e não serem dispersos. Então decidem construir uma cidade e uma torre que chegue até ao céu:
«Vamos, edifiquemos para nós uma cidade e uma torre cujo topo toque os céus, e façamos para nós um nome, para que não sejamos espalhados por toda a face da terra.» (Gn 11,4)
A intenção deles não é apenas arquitetónica, mas teológica: o homem quer alcançar o céu com as suas próprias forças, fazer um “nome” para si. Quer realizar-se sem Deus.
Deus vê este orgulho e decide confundir a sua linguagem para interromper o projeto:
«Desçamos, pois, e confundamos ali a sua linguagem, para que um não entenda a linguagem do outro.» (Gn 11,7)
2. De Babel até hoje: como se manifesta a nova torre?
Hoje já não construímos torres de pedra, mas sistemas ideológicos, culturais e tecnológicos que, tal como em Babel, tentam alcançar a perfeição humana sem Deus, sem moral objetiva, sem verdade universal. Esta “nova Torre de Babel” manifesta-se de várias formas:
a) A ditadura do relativismo
Como advertia Bento XVI:
«Está a formar-se uma ditadura do relativismo que não reconhece nada como definitivo e que tem como medida última apenas o próprio ego e os seus desejos.» (Homilia antes do conclave, 2005)
A verdade hoje já não é algo a descobrir, mas a “construir”. Fala-se de “a minha verdade” e “a tua verdade” – como se a verdade fosse um produto pessoal. Mas a verdade não é nem tua nem minha. A verdade é Cristo: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida.» (Jo 14,6)
b) A manipulação da linguagem
Palavras como “amor”, “direitos”, “liberdade” ou “identidade” foram esvaziadas do seu significado original. Na nova Babel, a linguagem já não serve para comunicar a verdade, mas para esconder o erro, impor ideologias, justificar a injustiça. Como dizia o profeta Isaías:
«Ai dos que ao mal chamam bem, e ao bem, mal; que fazem da escuridão luz, e da luz, escuridão.» (Is 5,20)
c) A ilusão de unidade sem comunhão
A globalização liga-nos tecnicamente, mas não nos une verdadeiramente. Busca-se uma unidade falsa, baseada no consenso, no politicamente correto, no silenciamento das diferenças. Mas a verdadeira comunhão funda-se na verdade e na caridade, como escreve São Paulo: «Vivendo segundo a verdade na caridade…» (Ef 4,15)
3. Significado teológico: o pecado de Babel continua
O pecado de Babel é o antigo pecado original numa nova forma: o desejo do homem de ser como Deus – mas sem Deus. Esse orgulho não leva à elevação, mas à fragmentação. Quando o homem se torna juiz do bem e do mal, da linguagem, da identidade e do significado, cai no caos.
Em Babel, a humanidade foi dispersa porque já não confiava em Deus. Hoje vemos uma nova dispersão: solidão, fragmentação familiar, conflitos geracionais, ideologias identitárias, polarização política… – todas consequências do mesmo erro.
4. A resposta? O Pentecostes, o anti-Babel
À dispersão de Babel, Deus responde com o Pentecostes, quando o Espírito Santo desce sobre os Apóstolos e lhes dá a capacidade de falar todas as línguas – não para confundir, mas para unir na verdade. Nos Atos dos Apóstolos lemos:
«Nós os ouvimos falar, em nossas línguas, das grandes obras de Deus.» (At 2,11)
O Espírito Santo não elimina as diferenças, mas harmoniza-as na verdade do Evangelho. Assim se cumpre a promessa de Jesus: o Espírito nos guiará «à verdade completa.» (Jo 16,13)
5. Guia prática teológica e pastoral: Como viver na Babel moderna?
Perante a confusão atual, os cristãos são chamados não a fugir do mundo, mas a ser luz na escuridão, testemunhas da verdade – com amor e coragem. Eis um guia prático:
1. Recuperar a linguagem da fé
- Aprender e usar os termos na sua aceção teológica.
- Não ter medo de chamar “pecado” ao pecado, ou “graça” à graça.
- Estudar o Catecismo, assimilar a linguagem litúrgica, bíblica e magisterial.
2. Não ceder ao relativismo
- Acreditar que existe uma verdade objetiva, acessível à razão e iluminada pela fé.
- Não aceitar como “normal” o que é moralmente desordenado, só porque a sociedade o faz.
3. Buscar a comunhão na verdade
- Na família, na paróquia, entre amigos: buscar a unidade em Cristo, não o consenso vazio.
- Dialogar, mas não à custa da verdade.
4. Formar a consciência
- Ler as Escrituras e formar a consciência segundo o Magistério.
- Não decidir segundo a emoção ou a moda, mas segundo a lei natural e a revelação.
5. Viver a humildade
- Não construir a própria torre. Não fazer um nome para si, mas anunciar o Nome de Deus.
- A humildade é o primeiro passo para compreender os outros e viver em comunhão.
6. Evangelizar com clareza
- Nas redes sociais, nas conversas, no dia a dia: testemunhar a fé com clareza e caridade.
- Porque: esconder a verdade não é caridade – e dizê-la sem amor não é evangelização.
Conclusão: De que lado estás?
A nova Torre de Babel não é um edifício físico, mas uma forma de pensar que penetra nos meios de comunicação, na escola, na política e até em certos ambientes eclesiais. Mas os cristãos não estão à mercê do caos. Somos chamados, em meio a esta confusão, a construir o Reino de Deus – não o de Babel.
Não se trata de voltar à torre, mas de descer do orgulho, abrir o coração à graça e falar a linguagem do Espírito: a verdade na caridade.
«Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem.» (Sl 127,1)
Oração final
Senhor, livra-nos do orgulho de Babel. Dá-nos o Espírito do Pentecostes. Ensina-nos a falar, viver e amar na Tua verdade. Amém.
Queres um mundo cheio de sentido? Começa a usar as palavras como Deus as usa: para criar, para amar, para salvar.
Não construas uma nova torre. Eleva o teu coração.